Agora venha ver este lado: a gente já não tinha vista para o nascente, mas veja o novo telhado que apareceu; pois bem, agora o sol da manhã chega meia hora depois.
A Especulação Imobiliária, Italo Calvino
Acordar, abrir a janela e deixar o sol entrar. Um gesto simples e banal, rotineiro, que faz parte da vida e do cotidiano de todos nós. Abrimos a janela para ver como está o tempo, para sentir a temperatura, para olhar a cidade, para arejar a casa, ou para, simplesmente, deixar a luz do dia entrar. Mas nas cidades, cada vez mais apinhadas de gente, com prédios cada vez mais estreitos e próximos um do outro, vista e claridade tornaram-se artigos de luxo. Mais do que abrir a janela e deixar o sol entrar, abrimos a janela e nos deparamos com um paredão de concreto ou, quem sabe, com a janela do vizinho. E quando a nossa vista é uma outra janela, passamos a ser, consequentemente e de forma simultânea, a vista de alguém. Querendo ou não, estamos todos sendo observados.
E assim fechamos a janela, buscando um pouco de privacidade, tentando fugir de ruídos incômodos ou dos olhares curiosos daqueles anônimos conhecidos que habitam nosso dia a dia, ou melhor, desconhecidos já tão íntimos que muitas vezes poderiam tecer longas descrições sobre nossos hábitos mais banais. Nossos Conhecidos de Vista.
Mas quem são estas pessoas? Como é a vista daquele ângulo? O que tem do outro lado da parede? Partindo destas perguntas e de uma produção pessoal que já vinha se debruçando sobre as relações entre a arquitetura e o morar na cidade, hábitos e cotidiano, passei a me interessar por fotografar estas vistas da cidade que eu não conhecia, a vista da janela dos outros, assim como o ambiente que a parede da fachada escondia.
Numa flânerie às avessas, onde foram visitados cerca de 40 apartamentos em Porto Alegre, além de fotografias realizadas a partir de janelas de outras cidades, os trabalhos aqui apresentados lançam um olhar crítico e poético para uma situação cada vez mais comum no contexto urbano contemporâneo: prédios com janelas próximas demais. Mas se a configuração da cidade é alheia a nossa vontade, a forma de se relacionar e se posicionar frente a determinadas situações ainda depende de nós. Abrir ou fechar a janela? No fim, tudo é uma questão de ponto de vista.
Letícia Lampert
junho de 2013